Parto (ou não parto) do princípio - parte 4

Partes anteriores: aqui, aqui e aqui.

Esqueci de falar uma coisa: aquele comentário da ultrassonografista sobre eu ser premiada me soou tão irônico que me deixou meio irritada. Naquele momento eu queria que ela estivesse cefálica e não pélvica. Aí a médica me manda uma dessa? Fui embora meio chateada. 

O "prazo" que eu tinha dado para a Gigi virar para a posição cefálica era a ultra de 37 semanas e pouco. Como ela não tinha virado, eu não era capaz de topar um parto pélvico. A única possibilidade que não tentei foi a versão cefálica externa (vce). Esse procedimento consiste em virar o bebê dentro da barriga por meio de movimentos manuais e pressão no abdômen da mãe. Quando voltei desolada ao consultório da Dra. Bernadette para mostrar a ultra em que ela permanecia pélvica, ela me ofereceu tentar. Mas ela mesma não fazia, era uma amiga, pelo SUS. Eu teria de ir à Niterói dois dias depois à tarde para fazer com essa médica que eu não conhecia. Ela me deixou claro também que não havia garantia de que o bebê continuaria cefálico, que podia desvirar e voltar a ficar sentado. Falei que ia pensar e conversar com meu marido e voltaria lá. 

Ao mesmo tempo, comecei a pesquisar na internet sobre os riscos, que são muito baixos. Em menos de 1% dos casos pode acontecer sangramento vaginal, descolamento prematuro da placenta, cesariana de emergência ou mortalidade perinatal. Encontrei especialmente no site Parto no Brasil a seguinte informação: "Chama a atenção que a taxa de cesariana, apesar de se reduzir significativamente com a VCE, ainda persiste relativamente elevada (em torno de 20%) em mulheres submetidas a VCE bem sucedida, quando comparadas com mulheres com bebês em apresentação cefálica espontânea (taxa de cesárea em torno de 6%) em diversos estudos." 

Isso me desestimulou bastante. Nada era garantido, tudo era incógnita. Eu tenho profunda dificuldade de correr riscos, de mudança, adoro rotina, é do meu perfil de vida mesmo. Conviver com aquela angústia estava me matando. Mas na verdade, o que pesou mais não foram estudos, não foram estatísticas, não foi nada além do lado emocional. Assim minha decisão foi tomada. Apesar de em todos os artigos, a vce ainda se mostrar mais segura que a cesariana, que é uma cirurgia invasiva como todos sabem, eu conhecia 99,99% de mulheres e bebês que haviam passado pela cesariana sem complicação alguma. E não conhecia uma, umazinha sequer, mulher que tivesse passado por uma VCE pra segurar minha mão e dizer: "Vai, Musa, vai dar certo". 

Falando em mulher, naquele momento a mulher mais importante de todas era de onde eu menos tinha apoio. Minha mãe estava morrendo de medo de eu optar pelo parto pélvico. O discurso da minha mãe sempre foi importante demais para mim e eu nunca consegui esconder nada dela, como às vezes me aconselhavam, para não preocupá-la. Aquele medo me paralisava. Era mais um fator que me fazia tipo "obedecê-la", tal qual uma criança que ainda não sabe distinguir o certo do errado. A opinião dela tinha grande peso contra o parto pélvico. O Rafael dizia que me apoiava no que eu escolhesse. E eu estava longe de ter segurança de alguma decisão. Sentia-me perdida e resignei-me a uma nova cesárea.

Como citei em outra parte do texto, eu não queria pagar por uma cesárea particular e me vi de novo sem médica. No meio da gestação, eu cheguei a ir à médica de uma amiga minha do trabalho, pelo plano, que me afirmou que fazia parto normal porque fez a da filha dela (há 11 anos). Como quando cheguei à consulta, fiquei sabendo que o parto normal seria com intervenções (como sempre pelo plano), deixei pra lá e me identifiquei com a Dra. Bernadette, mas era particular. Fora não fazer o parto natural, aquela médica (do plano) tinha me parecido bastante atenciosa e pensei "Cara, vai ter de ser ela. Com 38 semanas, o que eu vou fazer agora? Vamos ver se eu consigo uma consulta lá a essa altura do campeonato."

Simultaneamente eu tinha estado muito envolvida com os grupos pró-parto, em café com doulas, com o ishtar, e vinha assistindo tanto a discursos esclarecedores e acolhedores, como radicais. Quando cheguei a essa decisão, eu só conseguia pensar nos intolerantes. Pensava que seria julgada, eu me sentia fracassada. Fiquei psicologicamente muito abalada mesmo. Mas não tinha o que fazer, se eu não queria um parto pélvico e ela estava sentada não tinha muito para onde ir: era assumir a minha escolha. Consegui a consulta com a outra médica às 38 semanas e cancelei a consulta semanal seguinte com a Dra. Bernadette. Ao mesmo tempo, enviei a ela um email cuja parte reproduzo aqui: 

"Dra. Bernadette,

(...) - Aqui explico mais ou menos que eu não ia mais continuar com ela, pois tinha optado pela cesárea e não iria pagar pela cirurgia, faria pelo plano

Não quis ir à consulta da semana que vem e te falar isso pessoalmente por estar muito sensível. Você é uma profissional incrível, me acompanhou e atendeu em momentos difíceis da gestação, relacionados à saúde, me acolheu já com quase 30 semanas... por isso minha gratidão é infinita.

Sei que muitas ativistas do parto natural me julgariam, diriam que eu estou procurando desculpas para não parir e talvez, inconscientemente, seja. A verdade é que mesmo sabendo que não é determinante a bebê estar pélvica, na minha idade gestacional, estatisticamente, poucos ainda viram. Durante toda a gestação, conversei muito com minha filha e não imaginava que ela ainda chegaria pélvica. Para qualquer um, pode parecer que estou fazendo tempestade em copo d'água do tipo "qual o problema de um bebê pélvico? É o mesmo que estar cefálico". Mas esse fato trouxe à tona meus medos, angústias e tudo mais da gestação anterior, também pélvica.

Obrigada pelo acolhimento, pelo apoio, pelas palavras e pelas muitas vezes que mais do que minha obstetra no pré-natal, você foi uma psicóloga.

Desejo muito sucesso e que Deus abençoe você.

Um beijo,

Musa."

Tive essa resposta:

"Querida,

Fique bem, as escolhas devem ser suas e ninguém deve e pode julgar você. Um grande beijo!

Bernadette"

Com aquele email me senti aliviada. Pelo menos a Dra. Bernadette não tinha ficado chateada e já era algo a menos para eu resolver naquele momento de tanta turbulência. Mas eu ainda tinha muito isso na cabeça, que seria julgada, que eu não estava fazendo bem à minha neném, culpas, culpas e culpas... 

Para me sentir fazer um pouco melhor, comecei a pensar no que tinha me desagradado no parto do Matheus e por que eu tinha criado o bloqueio contra a cesárea para tentar fazer diferente dessa vez. O que mais me incomodou desde sempre foi ele não ter mamado no peito desde que nasceu (Matheus nasceu às 20:25h, só o trouxeram para mamar mais de uma hora da manhã). Eu mal tinha visto meu filho, nosso encontro tinha sido muito curtinho na hora do nascimento. Além disso, pensava que eu também podia entrar em trabalho de parto, não agendar a cesárea para eu pelo menos saber que a hora de ela nascer já estava próxima.

Continua...

3 comentários:

  1. Não vou entrar no mérito do continua, dessa vez, kkkk.

    Eu fico puta com esses discursos de que tem que parir, tem que ser assim ou assado. Eu acho que eu tenho o direito de escolher não sentir dor, o corpo é meu e ponto. Hj penso em normal com analgesia, mas poder marcar o dia e conseguir organizar com a minha pra ela estar aqui, tb é uma opção válida pra mim.

    Mas enfim, tudo isso é pra dizer que mesmo vc tendo tido 2 cesáreas (e dai?) pra mim vc é uma daquelas mães inspirações, ser mãe na minha opinião é muito mais do que ter natural, normal ou cesárea. 😘

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  2. Faço das palavras da Waleska ai que comentou antes, minhas palavras tb!

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